Devolvam o futebol aos jogadores

Uma das características marcantes do futebol atual é a overdose de treinadores.

Os professores se converteram em estrelas do esporte. Em alguns casos, com magnitude superior à dos atletas.

Que fique claro: todo respeito aos treinadores, ao trabalho, ao planejamento, ao sistema de jogo. A cadeia de comando e execução tem neles uma peça fundamental.

Mas não estaria acontecendo um exagero na exposição?

Vou me ater ao Brasil, minha realidade.

Não acompanho o dia-a-dia de nenhum campeonato que não seja o Brasileiro. Quando falo em acompanhar e dia-a-dia, não vale ver todos os jogos pela TV. Especialista em campeonato islandês vendo pela TV é molezinha. Não caio na tentação de me vender dessa forma. Tô fora!

Atualmente, no Brasil, em dia de jogo, o treinador é figura obrigatória para a mídia. Ele fala antes do jogo e depois do jogo, é regra.

Tem dia em que o melhor jogador em campo, o que fez o gol decisivo, esse não fala. Mas o treinador está lá, garantido.

Quando os bastidores do clube pegam fogo, a crise política contamina o vestiário, os cartolas não aparecem. Mas o treinador fala.

Qualquer explicação sobre um jogo tem que passar, também, pelas palavras dos treinadores. Mas até há bem pouco tempo não era assim. Treinador raramente falava, ou falava uma vez por semana. Depois do jogo, então, os holofotes eram dos atletas, dos caras que foram personagens do espetáculo.

Fulano faz um gol por cobertura do meio-campo, o goleiro pratica defesas assombrosas, o zagueiro ganha todas pelo alto. E lá vamos nós para a inefável entrevista do inefável treinador.

Quando aprendi a gostar de futebol, as transmissões de rádio, TV, os jornais, enfim, as notícias eram uma explosão de imagens, fotografias e entrevistas de jogadores. Antes do jogo, na saída para o intervalo, após o jogo.

Há gravações circulando na web de Pelé dando entrevistas espetaculares, tranquilamente, dentro de campo, isso quando já era o Rei do futebol.

Ah, mas o mundo mudou, hoje precisamos dar privacidade aos atletas, o vestiário é sagrado, faltava organização, o futebol era muito bagunçado.

Aceito todos os argumentos. Não existe verdade absoluta, nem dono de razão. O que coloco é um ponto de vista que, além de mim, tem muitos outros adeptos, porque já escutei deles.

De novo: todo respeito e importância ao trabalho dos treinadores, mas as estrelas, os ídolos, os produtores de sonhos na imaginação de crianças e torcedores pelo mundo são os jogadores. Eles estão rapidamente sendo desumanizados por esse estado de coisas – minha opinião, não falo por mais ninguém.

É comum ouvir argumentos de que os jogadores reclamam de invasão de privacidade. Assim como também é comum ver postagens de atletas revelando suas intimidades, dentro e fora dos vestiários. Contraditório, não?

Outro argumento comum é aquele do fui mal interpretado. Era a fuga preferida de jogadores, treinadores e dirigentes quando alguma declaração repercutia mal. Terminou por gerar uma das situações mais curiosas da Era das redes sociais. Aquela em que o cara diz que sua própria postagem foi mal interpretada. Ou, vá, lá: a namorada, esposa, o empresário, alguém invadiu sua conta e postou aquilo. Então tá!

Mas voltemos ao dia-a-dia. O futebol sempre foi rico em talentos e personagens. Contar a história desses personagens, ouvir deles como foi sua trajetória, os segredos da vida de atleta, os truques para a habilidade diferenciada. Isso tudo fez e faz a história do jornalismo dedicado a cobrir os esportes. E o esporte rei é o futebol. O mais popular, o mais impactante.

A promoção de um grande espetáculo deve passar, necessariamente, pelos artistas principais. Ouvir de um diretor o que ele pensou ao fazer um filme é importante, não se nega. Mas os atores são as estrelas, você vai ao cinema, ao teatro, geralmente chamado pelo impacto de um ator, de uma atriz.

Em Hollywood não se vê coletiva só com o diretor. Ou estou enganado?

Que tal devolver o protagonismo das palavras e declarações de um jogo de futebol aos jogadores?

 

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