Um dos muitos equívocos cometidos pelo grande público em geral, o consumidor de informação, é achar que futebol deve ser analisado como economia e política como futebol.
Por ser um jogo, não fazer parte dos altos círculos intelectuais, e ainda estar engatinhando (pelo menos no Brasil) no universo das planilhas, gestores e governança, o futebol vive atrelado a conceitos e a termos herdados de tempos idos. Termos consagrados pelos grandes comunicadores da era do rádio, que ajudaram a construir a mística em torno do futebol e o diferenciam de uma atividade normal, fria e cotidiana. O esporte envolve, além da competência, capacidades natas, treinamento, preparação, entrega e superação. O futebol, além disso tudo, envolve paixão e massas.
Trabalhar com análise de futebol pressupõe, basicamente, que aos olhos de quem consome sua opinião ou informação, esse alguém sabe tanto ou mais do que você, que nunca chupou laranja com ninguém ou, como perguntam, jogou onde, mané? Ainda que as mesmas reclamações sejam direcionadas a quem jogou muito e chupou toneladas de laranja em centenas de vestiários pelo mundo. Isso permite a pseudocraques de campeonato de clube social pensarem que jogam tanto ou mais que jogadores profissional altamente treinados e capacitados. Além de fazer com quem tenha jogado dois meses no Ferroviário de Sapé, da terceira divisão, achar que conhece futebol tanto quando um jogador com 30 anos de carreira ou o Mourinho e o Felipão.
Explica-se. Antigamente a laranja era oferecida aos jogadores no vestiário, muito antes dos isotônicos e afins. Daí a expressão.
Meu amigo Walter Casagrande, um dos melhores analistas de futebol do País, sempre diz que no futebol não existe certo ou errado, todas as teses e conceitos estão aí na disputa. Concordo. No Brasil, certo e errado andam de mãos dadas com o resultado. Ganhou é bom trabalho. Perdeu está tudo errado. O resultado às vezes salva trabalhos mal feitos e acaba com outros promissores. Em outras situações, dois grandes trabalhos decidem um campeonato e um golpe de sorte decreta quem acertou e quem errou. Não pode.
Não acredito que opinião tenha resultado: certa ou errada. É opinião, concorda-se, discorda-se, discute-se, debate-se. Falar em erro e acerto é um mantra da maioria dos analistas de futebol do Brasil. Sempre com base no bom e velho resultado.
Voltemos ao inicio de 2017, ali por fevereiro. O Cruzeiro era quase imbatível em Minas e ainda somaria 23 jogos sem derrota. Mas o Galo, um dos melhores elencos do País, seria campeão estadual antes de cair em descrédito. O Flamengo era a força dominante no Rio e terminaria campeão estadual antes de ver seu trabalho ser classificado como ano perdido. Inter e Grêmio ainda não sabiam, mas seriam derrotados pelo Novo Hamburgo no Sul. Em São Paulo, o Tricolor de Rogério Ceni voava baixo, e o jovem treinador era chamado de melhor treinador do Brasil. Seria demitido em meses. Fábio Carile, que tinha sido demitido do cargo de treinador do Corinthians meses antes, ainda era chamado de estagiário por muitos alvinegros, e avaliações mais pessimistas previam que o time brigaria para não cair no Brasileiro. O Palmeiras e sua caravana de contratações aparecia como a bola da vez. Alguns colegas classificaram o time como Real Madrid das Américas (será que estudaram detalhadamente todos os elencos das Américas?) e cravaram seu favoritismo para tudo.
Antes do clássico entre Corinthians e Palmeiras, em 22 de fevereiro, a bolsa de apostas de bastidores apregoava que Carile dificilmente resistiria a uma derrota. Se o trabalho era bom, porque sua cabeça esteve a prêmio?
Isso tudo colocado, vamos voltar àquele fato: não existe certo ou errado no futebol. Muito menos antes de acontecer o jogo, de vir o resultado.
Analisar não é chutar algo em janeiro e, caso aconteça, reivindicar a autoria em dezembro. Analisar não é fazer previsão, embora para muitos de nós, comentaristas, essa termine sendo quase sempre um dos tipos das perguntas feitas por narradores e apresentadores, além da inevitável “quem é o favorito?”
Mostrem-me um comentário de rede social postado em janeiro antecipando que Fábio Carile era a escolha certa porque faria este trabalho espetacular à frente do Corinthians, com detalhes como defesa quase intransponível e primeiro tempo sem faltas, além de uma invencibilidade que beira os 40 jogos? Mas se era assim tão cristalino, bola na rede, porque ele foi demitido meses antes, em 2016? Recordemos: o Coritnhians só ficou com Carile porque não conseguiu contratar outro treinador. Certo ou errado? Ou seria o que vai dar certou ou errado?
Se o Palmeiras e o Flamengo, ao montarem grandes elencos, com muitas opções, eram saudados no inicio de 2017 como clubes bem administrados, fazendo o certo para disputar várias competições simultaneamente, mostrem-me um comentário postado em janeiro de 2017 afirmando que sucumbiriam precocemente na Libertadores e teriam dificuldade não apenas em utilizar os grandes elencos, mas em montar um time titular.
Quando Renato Gaúcho fez a piada de que não via futebol, afirmando que quem sabia não precisava estudar e muita gente não entendeu que era piada, alguém cravou que sairia de sua cabeça o time que joga o futebol mais agradável de 2017 no Brasil?
Será que não estamos todos nós – embora eu tente me policiar e procure fazer mais Jornalismo do que gênero, como, felizmente, ainda fazem muitos de meus colegas – procurando encaixar a realidade às nossas teses?
Será que nossas opiniões, em vez de se voltarem ao jogo, não estão sendo direcionadas para justificar o que estava em nossas previsões e não se concretizou ou valerizar aquelas que, vá lá, tenham dado certo ? Não estamos virando comentaristas dos nossos comentários?
O certo e o errado no futebol muitas vezes estão separados por um chute, um passe errado, uma quicada de bola no gramado na hora do chute, um olhar atrasado de um bandeirinha. Assim como muitos economistas previram, no chute, quebras de Países que não quebraram e apontaram negócios que pareciam riqueza garantida mas, no final, foram apenas bolhas. Brilhantes administradores e engenheiros faliram empresas e péssimos políticos destroem países. O chute pode vir com muito verniz e substância, acreditem. Até por parte de quem sabia chutar de verdade – a bola.
Repito: análise não é previsão. Se fosse assim, era melhor contratar o Polvo Paul.
A onda das análises agora foi tomada pela espuma do dinheiro. Alguém decidiu que qualquer clube que gaste muito, mesmo que tenha muito para gastar e arrecadar, e não obtenha resultados condizentes, é porque fez tudo errado. Outros que gastaram pouco e conseguem resultados, ainda que quisessem ter gastado mais e não puderam porque agora não tinham, acertam na mosca.
Será assim tão simples?
Lembro-me do Santo André e do Paulista de Jundiaí, campeões da Copa do Brasil. Quantas vezes eu mesmo disse que faziam um bom trabalho? Muitas. Certo dia um diretor de um grande clube brasileiro ouviu o que eu disse, ao meu lado num programa, e, delicadamente, fora do ar, me alertou para o caso do Santo André à época. Segundo ele o time mal tinha jogadores sob contrato para o restante do ano, atrasava salários, estava no embalo do resultado e não se sustentaria. Não se sustentou. Ah, o Paulista está à beira da insolvência.
Mais uma frente de batalha: treinadores jovens e estudiosos contra treinadores experientes e da formação do campo de jogo.
Há quem diga que o certo é contratar jovens estudiosos, que os medalhões já não servem, que futebol sem estudo não tem futuro. Outros afirmam que falta aos jovens estudiosos experiência de campo, malandragem, falar a linguagem do boleiro, esse idioma cultuado como semideus em microfones e arquibancadas.
Tem certo ou errado?
O líder do Brasileirão é um jovem estudioso e capacitado. O vice-líder é um treinador do campo, da linguagem do boleiro (quando escrevo esse texto é o único brasileiro já garantido nas quartas da Libertadores e está na semi da Copa do Brasil). O terceiro colocado é da velha guarda, o quarto também. A Copa do Brasil tem nos bancos um treinador mais pra jovem que pra velha guarda (Mano), um da novíssima geração dos estudos (Jair), o Flamengo chegou até a semi com um da novíssima geração que foi demitido (Zé). E o Renato, claro.
Depois de tudo isso, encerro dizendo que de certo e errado no futebol, às vezes temos apenas os chutes dos jogadores.