O auge do Marillion

Clutching At StrawsUm dos expoentes do chamado movimento neoprogressivo, o grupo britânico Marillion é uma das mais concorridas atrações ao vivo do cenário pop/rock.

Inicialmente comparado ao Genesis – não sem motivo – o conjunto completa 40 anos de trajetória em 2019 com uma carreira consolidada, cuja base é a massa de fãs leais, que inclusive fizeram do Marillion um dos pioneiros mundiais no sistema de crowdfunding para produzir seus álbuns.

Em 1987, depois de alcançar a fama internacional com o disco “Misplaced Childhood”, impulsionado pelo sucesso “Kayleigh”, o Marillion produziu aquele que considero seu melhor álbum: “Clutching At Straws”. Foi a última gravação da banda com seu primeiro vocalista, Fish, cujo timbre remete a uma fusão de Peter Gabriel com Phil Collins (daí, além da sonoridade, as comparações com o Genesis). Fish é um letrista inspirado que alcançou o auge em “Clutching”. O disco é conceitual, conta a história de um personagem fictício chamado Torch, um aspirante a cantor fracassado que é vítima do desemprego na Inglaterra do final dos anos 80 e migra para os EUA em busca de trabalho, mas encontra apenas o consolo das garrafas de bebida.

O primeiro aspecto que impressiona em “Clutching At Straws” é a qualidade da gravação. a produção de Chris Kimsey é potencializada pelo trabalho do engeheiro de som Nick Davis, que posteriormente trabalharia com o Genesis. O som é poderoso, cristalino e muito bem equalizado. O disco produziu três singles: “Warm Wet Circles”, “Incommunicado” e “Sugar Mice”. Vendeu bem e estabeleceu o Marillion como banda de grande competência ao vivo.

“Warm Wet Circles” faz parte de uma suíte que abre o disco, com instrumental poderoso e letra inspirada que fala sobre relacionamentos rompidos, balcões de bar e literatura beatnick. “Incommunicado”, o grande sucesso do álbum, é um rock de arena que bem poderia ter sido lançado pelo Asia, que tenta desmistificar o glamour da vida das celebridades do rock. “Sugar Mice” é uma balada tocante que fala sobre desemprego, decadência familiar, falta de esperança e apresenta um dos mais belos solos do rock, pelas mãos do excelente guitarrista Steve Rothery, o melhor músico de um grupo formado por ótimos músicos – Ian Mosley (baterista que toca sem esforço viradas complexas), Pete Trewavas (baixista fluente e melódico) e Mark Kelly (tecladista que usa timbres muito parecidos com os de Tony Banks, do Genesis).

Após a turnês de “Cluthing”, Fish deixou o Marillion, que apresentou Steve Hogarth como novo cantor. Para o álbum seguinte, “Seasons End”, muitas músicas já compostas com Fish foram gravadas por Hogarth. Ótimo vocalista, carismático e de timbre pouco comum, Hogarth segurou bem a onda, inclusive em temas consagrados na voz de Fish, e ajudou o Marillion a seguir em frente com novo direcionamento, muitas vezes mais pesado, em outras bastante pop e também extremamente lírico e progressivo, como no discaço “Marbles”.

Mas “Clutching” soa como um testamento do Marillion com Fish, do casamento perfeito entre letra e música. Como o próprio vocalista dizia, uma homenagem para os românticos, os desempregados, os sonhadores.

 

Pobre Luzia. Pobre Brasil

Luzia teve uma existência de quase 13 mil anos em absoluta tranquilidade. Viu as eras passarem da tranquilidade de seu exílio natural em Lagoa Santa. Vida simples, sem luxos. Curtia a eternidade em seu anonimato quando foi obrigada a trocar de casa. A promessa era tentadora. Viveria em um palácio cheio de história, ao lado de documentos e relíquias importantes da história do território que viu ser moldado pela passagem do tempo. Disseram até que reis e imperadores e imperatrizes nasceram e viveram por aí. Passou a sentir-se importante. Até ganhou um banho de loja, tratamento facial, corporal. Um luxo só.
Mal sabia a pobre Luzia que seu exílio de séculos sob a terra era, na verdade, um oásis comparado ao inferno que enfrentaria depois de milênios de sossego. Retirada de seu cantinho sem que pudesse se manifestar, Luzia assistiu, em silêncio, a decadência de seu palácio acontecer muito mais depressa que o acúmulo de camadas de terra e tempo em sua antiga casa.
Luzia, sem querer, entrara para a História. A mesma História que estava ali abandonada em sua nova casa. A mesma casa em que foram costurados os acordos políticos para a Independência daquela Nação criada no vasto território do qual sua humilde residência um dia fizera parte. Naquela casa, nas silenciosas noites no museu, ela aprendera que viveram dois imperadores, imperatrizes, princesas.
Mas rumores diziam que ela e seus colegas de pensão estavam desamparados, abandonados. Embora recebessem muitas visitas, sentia que pouca gente se preocupava, de fato, com a imponência e a história de sua nova casa.
Até que um dia veio o fogo e levou tudo com ele. Luzia e a boa parte da História. Enquanto ardia, a brasileira de 13 mil anos pensava em como teria sido melhor ficar ali, incógnita, desconhecida em seu pedacinho de chão.
Luzia é mais uma brasileira vítima do descaso de um País que abandona a própria História em favor da frivolidade. Um País que torra fortunas em frotas de carros novos, auxílios, benesses, aspones sem concurso e negligencia a educação, a ciência, a pesquisa, a cultura.
Pobre Luzia. Pobre Brasil.

A bela voz de uma vida trágica

Ainda não terminei, mas já recomendo sem medo de errar a leitura de “Little Girl Blue – The Life of Karen Carpenter” (Chicago Review Press).

O livro, fruto de extensa e detalhada pesquisa de Randy L. Schmidt, um professor de música, é a mais abrangente, honesta e sincera obra a abordar a vida complexa de Karen Carpenter, a voz luxuosa do duo Carpenters, formado com o irmão, o genial pianista e arranjador Richard.

Os Carpenters foram uma das maiores máquinas de sucesso dos anos 1970. A voz suave e marcante (embora pequena) de Karen, sua dicção perfeita e a interpretação única foram, provavelmente sem querer, porta-vozes de melancolia e tristeza, fossas e romances emoldurados pelos arranjos recheados de violinos e truques de orquestração de Richard, um mestre na arte de transformar uma canção alegre numa balada comovente (quem duvida, basta conferir a versão dos Carpenters para Ticket To Ride).

A máquina de marketing da gravadora A & M, de Herb Alpert, transformou os Carpenters na imagem personificada dos bons moços norte-americanos, aqueles típicos jovens de propaganda de creme dental, comportados, conservadores, família etc.

Quando pensaram em se revoltar contra essa imagem, era tarde. Richard ficou viciado em soníferos, e Karen, fundamentalmente por causa do desprezo e falta de carinho da mãe, foi diagnosticada com anorexia nervosa.

O livro conta de forma direta, com dezenas de depoimentos de familiares, amigos e colegas músicos, como a mãe dominadora dos Carpenters, Agnes, ignorava Karen e reservava toda sua atenção para Richard, a quem considerava o único talento da família, destinado ao sucesso.

Como professor de música, Schmidt, detalha o processo de criação da música dos Carpenters, o refinamento de sua produção e, claro, a magia da voz única de Karen. Os conflitos gerados com amigos, outros artistas e empresários, provocados pela extrema insegurança de dois jovens comandados com mão de ferro pela mãe, chamada de Dona Dragão pelos músicos que os acompanhavam. Os relacionamentos interrompidos por força de contratos e, de novo, o olhar severo e dominante da matriarca. A dificuldade em lidar com os altos e baixos da indústria da música e as tentativas mal sucedidas de esconder o grave problema de saúde de Karen.

A história, em linhas gerais, todos sabem. Karen morreu trágica e precocemente em 1983, em decorrência de graves problemas de saúde provocados pela anorexia. Mas pela primeira vez essa história foi contada sem a censura prévia da família Carpenter, que destruiu todas as tentativas anteriores de se mostrar, em livros, filmes ou programas de TV, os dramas de uma jovem talentosa, simples, bem-humorada, cuja auto-estima foi dizimada pelo desprezo e falta de afeto da mãe.

Não tenho notícia da publicação do livro no Brasil. Mas a versão original pode ser comprada nas grandes livrarias digitais. A minha cópia eu comprei na Amazon.

O coração na ponta da chuteira

O grande acontecimento do futebol brasileiro em 2018 passa longe das eternas e cansativas discussões sobre arbitragem.

Vem do Ceará, de um jogo da Série B do Campeonato Brasileiro, e mostra como poucas vezes se viu recentemente o lado mais humano e verdadeiro do futebol brasileiro.

Nada a ver com os jogadores milionários, seus carros importados, festas nababescas, posturas de primas donas e entrevistas enfadonhas.

Wallace, atacante de 19 anos do Fortaleza, escorregou em campo na partida contra o Guarani e levou uma grande bronca do treinador Rogério Ceni. O ex-goleiro de carreira gloriosa e milionária não se conformou com o fato de seu atleta estar usando uma chuteira de travas de borracha em um campo molhado e escorregadio. A situação pedia uma trava metálica, que proporciona mais tração. O chefe mandou trocar e ouviu a resposta dolorosamente sincera: “só tenho essa”.

De pronto deve ter vindo à cabeça de Ceni sua própria história. Afinal, ele não nasceu craque e milionário, morou em alojamento, viveu de pouco dinheiro, tudo contado, sonhando com dias melhores que conquistou graças a seu esforço e talento.

O caso de Wallace é daqueles em que realmente faz sentido a expressão colocar o coração na ponta da chuteira. Nada que remeta ao ufanismo boboca de tempos de Copa do Mundo. Essa é a realidade da maioria absoluta dos jogadores de futebol no Brasil. Cerca de 95% deles luta para sobreviver e não pode ser dar ao luxo de investir 400, 500 reais numa chuteira, que é instrumento de trabalho.

Na outra ponta da cadeia alimentar, atletas consagrados ganham milhares, alguns deles milhões de reais, euros apenas para vestir chuteiras.

Sei de casos de jogadores profissionais que ganham chuteiras de colegas platinados de quem foram colegas nas categorias de base e não esquecem dessas conexões.

Osvaldo, que nem é craque, mas ascendeu ao patamar dos que jogaram em time grande e têm dinheiro para comprar chuteiras – ou ganhar como patrocínio pessoal -, resolveu o problema imediato de Wallace e deu uma chanca para o companheiro de time.

Enquanto isso, boa parte do jornalismo esportivo desperdiça espaço e tempo com polêmicas vazias, análise de postagem exibicionista de jogador em rede social, mas desperdiça histórias como as de Wallace, que ajudam a explicar a magia, o fascínio e a realidade do futebol.

Além de fazer cada vez mais estúpidos os gritos de mercenários que são atribuídos a jogadores de futebol por grupos de torcedores a cada fase ruim.

Busco inspiração na sabedoria popular para fechar o texto:

“Todo mundo vê as pingas que eu tomo, mas ninguém vê os tombos que eu levo”.

 

 

Habeas Corpus para o drible

O drible, que um dia foi a marca registrada do futebol brasileiro, está na mira de muita gente boa e valorosa que curte o futebol.

Pois é. Justo o drible, quem diria!

Se o Tostão saiu em defesa do drible, quem sou para ousar falar sobre isso?

Mas ousarei.

Uma parcela dos que jogam no time do pragmatismo tático, da ditadura da prancheta, do futebol de planilha decidiu que o drible anda atrapalhando, provocando derrotas.

Sou a favor do drible e de quem sabe usá-lo.

Como tudo na vida, ele tem hora e local certos.

O drible não é enfeite. É recurso.

Engana-se quem vê apenas plasticidade no drible.

O drible envergonha o beque botinudo, bota uma dúvida na cabeça dos volantes brucutus que pensam duas vezes em dar o bote, cria espaços, abre caminhos, surpreende, empurra o óbvio para fora de campo.

Assim como a tabelinha é coisa linda, diria o Ricardo Caprioti. Outro recurso, este de pura técnica e controle, cada vez mais escasso em nossos gramados.

Longe de mim desprezar a importância da estratégia, do planejamento, da tática, do sistema de jogo.

É que penso que eles existem com um propósito maior: o de privilegiar a individualidade e o talento dos atletas em prol de um resultado coletivo.

A maior graça do futebol está nos duelos individuais, no um a um, no mano a mano. É ali que sempre residiu a magia do futebol brasileiro.

Por isso eu defendo o drible. Se para cada recomposição ou transição tivéssemos um drible o futebol estaria menos carrancudo e mais sorridente.

Pode até mesmo ser aquele do Clodoaldo em 70, que muita gente do pensamento moderno hoje chamaria de inútil. Mas procurem aí no You Tube e vejam no que resultou aquela maravilha de inutilidade.

É preciso dar um habeas corpus para o drible.

Devolvam o futebol aos jogadores

Uma das características marcantes do futebol atual é a overdose de treinadores.

Os professores se converteram em estrelas do esporte. Em alguns casos, com magnitude superior à dos atletas.

Que fique claro: todo respeito aos treinadores, ao trabalho, ao planejamento, ao sistema de jogo. A cadeia de comando e execução tem neles uma peça fundamental.

Mas não estaria acontecendo um exagero na exposição?

Vou me ater ao Brasil, minha realidade.

Não acompanho o dia-a-dia de nenhum campeonato que não seja o Brasileiro. Quando falo em acompanhar e dia-a-dia, não vale ver todos os jogos pela TV. Especialista em campeonato islandês vendo pela TV é molezinha. Não caio na tentação de me vender dessa forma. Tô fora!

Atualmente, no Brasil, em dia de jogo, o treinador é figura obrigatória para a mídia. Ele fala antes do jogo e depois do jogo, é regra.

Tem dia em que o melhor jogador em campo, o que fez o gol decisivo, esse não fala. Mas o treinador está lá, garantido.

Quando os bastidores do clube pegam fogo, a crise política contamina o vestiário, os cartolas não aparecem. Mas o treinador fala.

Qualquer explicação sobre um jogo tem que passar, também, pelas palavras dos treinadores. Mas até há bem pouco tempo não era assim. Treinador raramente falava, ou falava uma vez por semana. Depois do jogo, então, os holofotes eram dos atletas, dos caras que foram personagens do espetáculo.

Fulano faz um gol por cobertura do meio-campo, o goleiro pratica defesas assombrosas, o zagueiro ganha todas pelo alto. E lá vamos nós para a inefável entrevista do inefável treinador.

Quando aprendi a gostar de futebol, as transmissões de rádio, TV, os jornais, enfim, as notícias eram uma explosão de imagens, fotografias e entrevistas de jogadores. Antes do jogo, na saída para o intervalo, após o jogo.

Há gravações circulando na web de Pelé dando entrevistas espetaculares, tranquilamente, dentro de campo, isso quando já era o Rei do futebol.

Ah, mas o mundo mudou, hoje precisamos dar privacidade aos atletas, o vestiário é sagrado, faltava organização, o futebol era muito bagunçado.

Aceito todos os argumentos. Não existe verdade absoluta, nem dono de razão. O que coloco é um ponto de vista que, além de mim, tem muitos outros adeptos, porque já escutei deles.

De novo: todo respeito e importância ao trabalho dos treinadores, mas as estrelas, os ídolos, os produtores de sonhos na imaginação de crianças e torcedores pelo mundo são os jogadores. Eles estão rapidamente sendo desumanizados por esse estado de coisas – minha opinião, não falo por mais ninguém.

É comum ouvir argumentos de que os jogadores reclamam de invasão de privacidade. Assim como também é comum ver postagens de atletas revelando suas intimidades, dentro e fora dos vestiários. Contraditório, não?

Outro argumento comum é aquele do fui mal interpretado. Era a fuga preferida de jogadores, treinadores e dirigentes quando alguma declaração repercutia mal. Terminou por gerar uma das situações mais curiosas da Era das redes sociais. Aquela em que o cara diz que sua própria postagem foi mal interpretada. Ou, vá, lá: a namorada, esposa, o empresário, alguém invadiu sua conta e postou aquilo. Então tá!

Mas voltemos ao dia-a-dia. O futebol sempre foi rico em talentos e personagens. Contar a história desses personagens, ouvir deles como foi sua trajetória, os segredos da vida de atleta, os truques para a habilidade diferenciada. Isso tudo fez e faz a história do jornalismo dedicado a cobrir os esportes. E o esporte rei é o futebol. O mais popular, o mais impactante.

A promoção de um grande espetáculo deve passar, necessariamente, pelos artistas principais. Ouvir de um diretor o que ele pensou ao fazer um filme é importante, não se nega. Mas os atores são as estrelas, você vai ao cinema, ao teatro, geralmente chamado pelo impacto de um ator, de uma atriz.

Em Hollywood não se vê coletiva só com o diretor. Ou estou enganado?

Que tal devolver o protagonismo das palavras e declarações de um jogo de futebol aos jogadores?

 

A magia de Ronaldinho Gaúcho

Nélson Rodrigues certamente diria que Ronaldinho Gaúcho escaparia à compreensão dos idiotas da objetividade.

Planilhas, números, estatísticas, médias históricas não foram feitas para avaliar um jogador da estirpe de Ronaldinho Gaúcho.

Para falar do craque que anunciou, oficialmente, uma aposentadoria que vinha exercendo há algum tempo é preciso buscar outros parâmetros.

Gente como Garrincha, Canhoteiro, Maradona. Esse pessoal cujo relacionamento com a bola foi uterino, familiar, cúmplice. Craques de fantasia, que estão entre os expoentes máximos do elemento lúdico que faz do futebol o maior esporte do planeta.

Ronaldinho poderia ter sido mais do que foi? Talvez. Mas e daí?

Será que não basta tudo que ele foi?

Objetividade?

O cara ganhou Copa do Mundo, Copa América, Champions, Libertadores.

Mas o que Ronaldinho Gaúcho deixa para o futebol está muito além dos títulos e galerias.

Ele foi daqueles jogadores que moviam pessoas. Que faziam gente ir ao estádio simplesmente para vê-lo, mostrar para os filhos, netos, apontar e dizer: “aquele é o Ronaldinho Gaúcho”.

Lembro-me de três ocasiões marcantes que pude presenciar e que refletem bem o que Ronaldinho Gaúcho representa.

Em 2006, no Japão, quando o Internacional derrotou o Barcelona, fui até o aeroporto de Narita, de trem, para fazer a reportagem da chegada do time espanhol. Bons tempos de faz-tudo. Naquela cobertura fui repórter, comentarista e apresentador. Havia uma multidão de japoneses disciplinados esperando por Ronaldinho. Muito mais do que pelo Barcelona. Messi ainda era um garoto promissor. Ronaldinho causou o típico frisson japonês, muito diferente dos nossos exageros típicos de latinos. Mas o que importa frisar é que o cara parou um dos maiores aeroportos do mundo.

Em 14 de setembro de 2011, Argentina e Brasil fizeram um pálido Superclássico das Américas, em Córdoba. Um zero a zero modorrento, cujo ápice dentro de campo foi uma lambretinha de Leandro Damião que terminou na trave. Ao final da partida, Ronaldinho foi aplaudido de pé pelo público presente no estádio Mário Kempes. Argentinos em seu território, num estádio nomeado para homenagear um dos grandes craques do rival, reverenciando a arte de um gênio brasileiro. Os torcedores não se importavam mais com o jogo, ficarma no estádio para render homenagem a um grande. Ele agradeceu pacientemente, genuinamente tocado pelo gesto, prolongando sua permanência em campo quando todos os outros jogadores já haviam saído.

Em 3 de abril de 2014, Santa Fé e Atlético Mineiro empataram por 1 a 1, em Bogotá, pela Libertadores. Ao final do jogo, o El Campín rendeu homenagem a Ronaldinho. O craque deu uma volta olímpica no estádio, reverenciado novamente por um público posicionado em pé. A atração era ele, não o jogo.

Ronaldinho Gaúcho não foi um atleta, foi um artista.

Cai o pano, mas a obra é imortal.

 

O Viking Amigo do Casão

Copa do Mundo é a Disneylândia de quem gosta de futebol. É um período insano de trabalho, mas no qual quem escolheu essa área ainda consegue se divertir.
De quebra encontramos ídolos de infância, grandes jogadores, treinadores, conhecemos figuraças entre os torcedores das diversas nações.
Sem contar as surpresas.
Na Copa de 2010 eu e Milton Leite nos divertimos a valer. Tivemos a sorte de, pela escala, viajar muito pela belíssima África do Sul. Avião pra cá, aeroporto pra lá.
Num desses voos, avião pequeno, sentei ao lado de um sujeito enorme, deveria ter quase 2 metros de altura. Gente bola, papo fácil, gastando o inglês. Ele se apresenta como comentarista de uma rede de TV sueca, apresenta também o narrador. Diz que foi jogador. Não consegui reconhecer o rosto.
Falei que era do Brasil, comentarista. Ele pergunta: você conhece o Casagrande? Respondo “claro que sim, meu amigo, gente boa”. Engrenamos uma boa conversa, ele disse que além de ter enfrentado o Casão em Portugal e na Itália, tinha também tinha atuado com o Evair Paulino.
Quando contei para o Casão, quando nos encontramos na redação, ele abriu um sorriso e disse: “Pô, o Stromberg! O cara é um Viking”, e riu a valer, engatando histórias sobre as chegadas pouco amistosas do sueco, de quem ficou amigo.
O Casão todo mundo conhece.
Segue um link para saber um pouco do Stromberg.

Quem é Stromberg?

Carta a minhas queridas medalhas

Minha vida como atleta me rendeu alguns dos melhores amigos e algumas das melhores lembranças que tenho na vida.

Como todo atleta que competiu num certo nível – eu cheguei inclusive a receber salário como jogador de voleibol – disputar uma final, ganhar uma medalha são momentos e situações que fazem todo esforço de anos de treinamento valer a pena. Ainda que você não seja o vencedor.

Por isso, sempre que vejo atletas desprezando medalhas, fico triste e decepcionado. Não foram apenas alguns jogadores do Flamengo que fizeram isso na final da Copa Sul-americana. Lembro-me de uma decisão em que Rogério Ceni, ainda em atividade como goleiro do São Paulo, recebeu uma medalha de vice e a atirou para a torcida.

Guardo todas as medalhas que ganhei em meus tempos de atleta. Desde a primeira, uma de bronze do Campeonato Paulista de Natação da Categoria Petiz, nado de peito, até as medalhas conquistadas em torneios escolares.

Cada uma tem sua história, e todas elas representam o amor e o respeito ao esporte.

Infelizmente, o futebol muitas vezes gera situações em que atletas e equipes desprezam cerimônias e tradições que para o mundo do olimpismo são sagradas.

Quem não se lembra da seleção brasileira de futebol longe do pódio para receber a medalha de bronze nos Jogos de Atlanta/1996. Até hoje as justificativas apresentadas não colam, não ornam. Talvez seja por causa desse tipo de episódio que o futebol ainda seja visto como um intruso por parte dos dirigentes do Movimento Olímpico.

Simultaneamente, chegam à minha memória as imagens de Earvin Magic Johnson recebendo sua medalha de ouro após mais um dos costumeiros massacres do Dream Team em Barcelona/92. Festejava feito criança, alegria genuína, respeito a uma competição e a um rival, mesmo tendo vencido o torneio olímpico de basquete em ritmo de férias.

Reconhecer a derrota e a consequente superioridade do adversário é uma das premissas do esporte. Felizmente, temos visto bons exemplos também no futebol, nas decisões de Copas do Mundo, Euro, Copa das Confederações, com os campeões reverenciando os vice-campeões.

Por isso aproveito este último parágrafo para dizer que vou até a gaveta em que estão cuidadosamente guardadas minhas medalhas – que felizmente não são poucas – para viajar no tempo, agradecer, reverenciar amigos, companheiros de equipe, adversários, treinadores, árbitros, todos que viveram esses momentos comigo.

Minhas queridas medalhas, muito obrigado!

 

Milagres

Sempre que encontro o amigo e colega Rafale Henzel, um dos sobreviventes da Tragédia da Chapecoense, eu brinco e digo: não é todo dia que se encontra um milagre.

Na última segunda-feira, participando do Bem, Amigos, do SporTV, encontrei outros dois de um total de seis milagres: Neto e Jacksonn Folmann.

Para os incrédulos pode parecer bobagem, mas é uma experiência impactante e inesquecível compartilhar da energia que emana dessas pessoas. Ouvir seus relatos, saber detalhes. Neto e Folmann exalam dignidade e, de alguma forma, nos fazem entrar em contato com amigos queridos que partiram no acidente.

Nunca estive com Allan Ruschell, mas imagino também aja dessa forma.

Não há nada no comportamento dessas pessoas, abençoadas com o presente da mais improvável sobrevivência, que resvale para o tom messiânico, pregador ou fanático.

Imagino que estejam conectados de uma forma especial, que tenha surgido um elo, uma espécie de irmandade.

Nos casos de Rafa Henzel e Ruschell a rotina de vida foi restabelecida, seguir em frente pode parecer mais simples.

Para Neto e Folmann a batalha continua. O zagueiro ainda não conseguiu voltar a jogar futebol, e o goleiro sabe que jamais jogará novamente. Porém, nada do que digam ou façam evoca sentimentos de pena. Há uma grandeza na luta pela vida e na alegria de viver que comove, arrepia. Não há lamentos, mas projetos, objetivos, horizontes.

Pessoas que, como cantou Cazuza, viram a cara da morte e estão vivas.

Particularmente, fiquei tocado pelas respostas de Folmann e Neto para uma pergunta que fiz sobre eventuais contatos deles com as famílias das pessoas que partiram no acidente.

Folmann disse que os contatos acontecem, mas tomam todos os cuidados porque não sabem como as pessoas irão reagir ao estar na presença deles, que sobreviveram ao terrível destino de seus entes queridos. Neto compartilhou a dor de uma criança que perguntou porque ele tinha sobrevivido e o pai dela, não.

Não se trata de crença, fé, religião.

Confesso que estar na presença de milagres é uma experiência transformadora.

Que tenham vida longa!

 

Sai ódio, entra amor

O movimento reacionário que ameaça atirar o País nas catacumbas do atraso faz um eco danado no mundinho do futebol. Ou talvez até se alimente dessa fonte.

É um tal de honra para cá, dignidade para lá, entrega, raça, superação, respeito à camisa.
Tratam jogador de futebol como se fosse soldado em guerra, gladiador no Coliseu.

Celebram amor, fazem festa, juram lealdade no dia da vitória, mas na data da derrota vasculham as redes sociais dos atletas procurando provas de baladas, pintam ameaças em muros dizendo que sai o amor e entra o terror.

Toda vitória é épica, e toda derrota é roubada. Mas se o erro for a favor, apelam para o roubado é mais gostoso.

Se ganha o jogo, o atleta é guerreiro, deu a vida, mostrou identificação com a arquibancada.

Em caso de derrota, é mercenário, só joga por dinheiro, faz corpo mole e está querendo derrubar o treinador.

Do time de guerreiro para time sem vergonha é um gol. Ou a falta dele.

As redes sociais deram voz encorpada a esse tipo de atitude e pessoas.

Houve um tempo em que o futebol era diversão e lazer. Praia e sol, Maracanã futebol. O seu, o meu, o nosso Paaaaacaembu. Gigante da Beira-Rio e Olímpico, Mineirão, Mangueirão.

Atualmente discute-se renda de jogo e assento de arena.

E tem aquela coisa peçonhenta de honra, caráter, dignidade, entrega, superação, compromisso. Posturas que são cobradas, exigidas e gritadas muitas vezes por gente que falta ao trabalho, engana o chefe, entra sem pagar, aponta laser para os olhos do jogador adversário, quebra o banheiro e a cadeira do estádio do próprio time.

Diversão e bom humor são confundidos com circo de horrores midiáticos. O protagonismo é cobrado pelo difusor quando deve ser – sempre – do jogador. Quem jogou sabe, se for parceiro. Se não for da patota, é mais um perna-de-pau. Jogador grilo falante é exaltado. Quem faz o seu trabalho em silêncio, ainda que seja um grande trabalho, é visto com desconfiança. 

Não à toa, os jovens torcedores de hoje desfilam camisas coloridas de times europeus, acompanham o noticiário de craques gringos em terras distantes. Perguntam aos pais se é seguro sai às ruas com as camisas dos seus times brasileiros, já que dividem a alegria de torcer com outras cores, estrangeiras.

Quando acordarem do transe talvez seja tarde.

Como prega aquele mantra: sai ódio, entra amor. Enquanto é tempo.

O massacre da arbitragem por todos os ângulos e o show do Baixinho Romário

A arbitragem de futebol no Brasil vive um processo de linchamento público.

A cada rodada os árbitros são julgados por seus erros. Uma enxurrada de imagens expõe o trabalho dos árbitros, sob ângulos que eles não têm durante o jogo, com câmera lenta e alta definição.  Decidem sob sol forte, chuva e com apenas dois olhos, contra dezenas de câmeras e milhares de torcedores e seus atentos celulares nas arquibancadas.

A imagem muitas vezes não é definitiva. Comentei o clássico São Paulo x Corinthians e, na cabine, com as imagens e a visão da cabine no momento, entendi que houve falta de Pratto em Cássio no lance do gol  anulado do Tricolor. No dia seguinte vi outras imagens, algumas de torcedores, feitas por celulares, que mostram que o zagueiro do Timão Balbuena dá um leve empurrão em Pratto e o descola em direção a Cássio. Mudei meu conceito e entendi que o gol foi mal anulado ou, no mínimo, foi pênalti do Balbuena.

Tento sempre imaginar qual a visão que o árbitro tem do lance. Não a das câmeras. Muitas vezes a visão do árbitro o leva a interpretar lances sem o requinte das imagens em câmera lenta e outros ângulos. Em várias ocasiões entendo que os árbitros marcam de forma coerente com a visão que têm do lance, mas são enganados por ela.

O problema geral da arbitragem é, como quase tudo no Brasil, o interesse político. Nunca são os melhores de fato que apitam. Isso porque há um desnivelamento técnico entre as regiões e estados, mas a necessidade política de atender federações, por votos na eleição da CBF, interfere na qualidade.

Explico. O melhor árbitro da Paraíba, por exemplo, não está no mesmo nível do décimo-sexto árbitro do ranking de São Paulo, do décimo do Minas, do oitavo do Rio. Não se trata de regionalismo ou preconceito, longe disso. É uma constatação. O árbitro de um estado onde o futebol tem um nível técnico mais baixo atuará em jogos mais fracos e menos desafiadores. Mas nos torneios nacionais apita partidas para as quais não está preparado à altura.

É complicadíssimo.

O show do Baixinho

Nesta segunda participei do Bem, Amigos, que teve Romário entre os convidados.

O Baixinho é um show á parte, com irreverência e picardia.

Mas impressiona mesmo a seriedade com que ele encara o trabalho na política, como Senador da República. Não está para brincadeira. Conhece o regimento da casa, conhece as leis e escolheu uma atuação firme e forte contra a corrupção no futebol e, também, em favor dos brasileiros com deficiências ou doenças cujo tratamentos não são cobertos pelo SUS.

Tem meu respeito.

Teorias do Alçapão e do Jogo de Libertadores atrasam nosso futebol

Entre as muitas teses que vicejam no futebol brasileiro, figuram entre as mais vigorosas as do Alçapão e do Jogo de Libertadores.

Começo pela do Alçapão. Um pensamento que defende mais ou menos o seguinte: o estádio de futebol de um time tem que ser o trem do terror, o continente dos pesadelos, a antessala da morte para o adversário.

Os adeptos da Teoria do Alçapão defendem atitudes como cortar água quente de vestiário, fazer corredor polonês na entrada, pintar as paredes no dia do jogo, colocar escorpiões e baratas nos boxes dos chuveiros. Tudo isso já aconteceu, não é invenção minha.

Há torcedores e dirigentes que acreditam que a intimidação faz parte do jogo de futebol como o gramado e as traves. Parecem crer que jogadores de futebol experimentados, que sofreram o diabo na vida, passaram necessidades, fugiram de tiro etc. podem se amedrontar com gritos de arquibancada. Um ou outro pode até sentir, mas um grupo inteiro? Difícil.

Considero que a teoria do Alçapão faz parte de uma velha mania do futebol nacional: a transferência de responsabilidade. Quem não acredita no próprio taco, quem sabe que faltou trabalho, falta qualidade, joga na arquitetura do estádio e no gogó do torcedor o peso de fazer o serviço.

O Santos é um bom  – e não é o único – exemplo da Teoria do Alçapão. Em vez de valorizar o fato de ter um time leve e técnico, capaz de impor seu estilo, e contar com uma torcida enorme e apaixonada, o clube muitas vezes se prende à tal tese do Alçapão e manda jogos na Vila Belmiro acreditando que o estádio possa fazer o que o time eventualmente não consiga.

Com base nesse pensamento, o clube, um dos mais conhecidos do mundo e um dos maiores do Brasil, abre mão de atuar para o triplo de torcedores e faturar muito mais dinheiro. Um clube que ganhou o que o Santos ganhou, que teve o maior time da História e jogou pelo Planeta precisa se prender a coisas como Alçapão?

Isso vale para muitos outros clubes do futebol brasileiro que preferem condenar seus torcedores ao desconforto e seus cofres ao prejuízo por acreditarem na tese do Alçapão.

Aí aparece o Jogo de Libertadores. Libertadores é diferente. Outro mantra de treinadores, jogadores e até mesmo alguns analistas.

Vale até quando o jogo é entre brasileiros, acreditem!

Botafogo e Grêmio, por exemplo. Porque teria que ser diferente jogado pela Libertadores do que, vá lá, na Copa do Brasil?

A tese está tão viva na cabeça de alguns que o pensamento sai meio que por osmose.

Falam tanto nisso que os jogadores entram com tamanha pilha que parecem estar no Coliseu. Embora sempre acusem catimba nos adversários, muitas vezes são os times brasileiros que mais catimbam e dão porrada. Porque a tese se impõe e jogar futebol fica em segundo plano. É preciso chutar a bandeira de escanteio, dar bico e carrinho e mostrar as veias do braço e do pescoço para os torcedores.

O mundo caminha para um lado, para um tipo de jogo, de comportamento e apreciação do futebol.

No Brasil seguimos presos a conceitos da década de 60 do século passado.

 

O País da malandragem seletiva

A malandragem sempre andou de mãos dadas com o futebol no Brasil.

Não reduzo o tema a questões e fatos pontuais, até porque existem centenas de exemplos espalhados por dezenas de camisas e cores.

Comemoramos uma Copa do Mundo, a de 1962, na qual Nilton Santos, que era um lorde, enganou a arbitragem descaradamente, e Garrincha foi expulso na semifinal e jogou a decisão. Detalhes.

Talvez não seja privilégio nosso, afinal a mão de Deus é celebrada no vizinho até hoje.

Afinal, somos ou não somos o País do Roubado é Mais Gostoso? Vamos assumir?

Teses pipocam em todos os lados. O torcedor que reclama numa segunda se cala na próxima porque foi a favor do time dele.

Treinadores e jogadores têm olhos de lince para ver certos lances e se transformam no Mister Magoo para outros.

Repito: pouco importa a camisa, o time, a torcida: o comportamento está enraizado em todos os corações e almas do futebol.

De que adianta ir para a rua gritar contra a corrupção e a roubalheira se o comportamento é seletivo?

Somos Todos Chape, Força Fulano, Força Sicrano.

Definitivamente, preciso concordar: #nãoésófutebol.
Ou seria #nãoésónofutebol?

Afinal, até entregar jogo valeu, recentemente, em busca do grande objetivo: ganhar. A qualquer custo. Sempre. Não importa como.

A História é contada pelos vencedores. Aos derrotados…..

Somos ou não somos o país dos legados?

Somos todos espertos, mas ninguém quer ser feito de trouxa.

O vexame brasileiro na Copa Davis

Vergonhoso é pouco para definir o comportamento do time brasileiro no confronto diante do Japão, pela Copa Davis, a principal competição do tênis masculino.

O resultado esportivo, que caminha para uma esperada – mais uma – derrota do Brasil ficou em segundo plano diante do comportamento lamentável, circense e algo xenófobo de dirigentes e jogadores brasileiros.

Quem não viu pode conferir em dois links que posto do blog Saque e Voleio:

https://saqueevoleio.blogosfera.uol.com.br/2017/09/15/japao-x-brasil-dia-1-duas-derrotas-e-uma-reacao-deselegante/

Parabéns sem educação

O comportamento do atleta Guilherme Clezar não precisa de descrição em texto. Basta ver o vídeo de sua reclamação, no mínimo, deselegante, grosseira e agressiva.

O segundo vídeo mostra a confraternização da delegação brasileira no aniversário do capitão João Zwetsch, com um xingamento explícito ao tenista japonês Kei Nishikori. O vídeo foi postado em redes sociais pelo presidente da Confederação Brasileira de Tênis, Rafael Westrupp. As imagens falam, gritam.

Posso falar algo sobre tênis e Copa Davis. Trabalhei muitos anos cobrindo tênis como jornalista e sou árbitro formado pela Federação Paulista de Tênis. Durante um intervalo de meu trabalho em veículos de grande mídia, fiz assessoria de imprensa para a Confederação Brasileira de Tênis (CBT) em alguns confrontos da Copa Davis. Brasil x Venezuela, Brasil x Áustria e Chile x Brasil, entre eles.

No confronto contra o Chile, em Santiago, assumi a função de Chefe de Delegação por alguns dias enquanto os dirigentes da CBT não chegavam a Santiago. Foi a estréia de Gustavo Kuerten na Copa Davis, em 1996. O comportamento do time brasileiro foi absolutamente exemplar. O capitão era Paulo Cleto, os jogadores eram Guga, Jaime Oncins, Fernando Meligeni, Roberto Jábali e Marcos Daniel.

Vi de perto a importância do respeito entre os competidores, as tradições da Copa Davis. Na quadra, a catimba e o talento do chileno Marcelo Ríos não evitaram a vitória brasileira por 3 a 2. Com absoluta elegância.

O Brasil tem muita tradição na Davis. Tem Thomaz Koch e Edison Mandarino, até hoje entre os principais expoentes da competição. Teve participações memoráveis nos anos 90, com Jaime Oncins e posteriormente com Guga.

Atualmente, a equipe da Davis convive com a ausência ainda não muito bem explicada de Thomaz Belucci e convocações controversas.

Carente de resultados e organização, o tênis brasileiro não precisava mostrar, também, sua faceta grosseira e sem educação.

Árbitro de vídeo somente a partir das semifinais: mais um erro da Conmebol

Leio que a Conmebol, a dona do futebol sul-americano, anuncia o uso do VAR (vídeo árbitro ou árbitro de  vídeo) a partir das semifinais da Copa Libertadores da América.

Errado!

Institui dois pesos e duas medidas, duas práticas distintas para uma mesma competição. Um torneio precisa ser disputado de forma igual por todos seus participantes. O princípio da universalidade.

Mas a Conmebol decidiu que é preciso buscar mais justiça a partir das semifinais. Ou seja: para quatro clubes privilegiados a margem de erro será menor do que para todos os outros participantes. Pior ainda para os clubes que alcançaram as fases de oitavas e quartas-de-final, nas quais um erro pode determinar a eliminação, e as enfrentaram e enfrentarão sujeitos a apenas um tipo de tecnologia: o olho humano. A partir das semifinais os erros tendem a diminuir, em especial em casos como os de gol ou não gol, porque o olho humano terá o auxílio do eletrônico.

Santa isonomia, Conmebol!

De novo tenta-se vender modernidade e evolução, mas exerce-se apenas o privilégio.

A Conmebol faz vista grossa para certo tipo de erro até as quartas-de-final e posa de rigorosa a partir das semifinais.

Lamentável!

A desmoralização do treino

Entre as muitas instituições, pessoas e atitudes que estão sendo desmoralizadas em meio à fraude chamada Brasil, um parece-me especialmente atingido: o treino.

Repararam como hoje todo mundo treina?

Mas, afinal, treina para quê? Treina como, treina com quem?

Não chego ao ponto de adotar aquela canção que citava o Romário e dizia “treinar para que, se eu já sei o que fazer”.

Mas que me causa estranheza a proliferação de referências ao treino, isso sim.

Talvez sejam elas, as onipresentes redes sociais. Ou melhor, as postagens com fotografias em redes sociais. As legendas inspiradas: “Bora treinar”. “Partiu treino”. “Treino foda hoje!”. “Treininho maneiro”.  Tudo perfeitamente enquadrado, com roupas estilosas, poses bem pensadas, destacando curvas, músculos, decotes etc.

O que me intriga é que a maioria dessas postagens não parte de atletas de verdade, gente que treina mesmo, com um objetivo claro que não seja puramente estético ou narcisista. Pior é quando o termo atleta é apropriado por quem, de fato, não é. Há casos em que as legendas citadas acima ainda ganham complementos como #vidadeatleta, #coraçãodeatleta, #atletasofre e a infalível #nopainnogain.

Deixo claro que nada tenho contra quem pratica qualquer atividade física. Seja para se sentir melhor, para ficar fortão ou fortona (geralmente da cintura para cima, com aqueles gambitinhos tentando desesperadamente sustentar tudo), sarado, sarada, preparar o corpitcho para arrasar no verão etc.

Minha intenção aqui é defender a palavra treino.

Vou mais longe: defender os verdadeiros profissionais da Educação Física, que fazem do treino algo nobre. Porque tem muito larápio e larápia por aí dando treino sem ter formação e licença para isso.

O que diz o pai de todos nós?

Exercício; ação de executar regularmente uma atividade física.Ação ou efeito de treinar, de se preparar para a execução de alguma atividade, disputa, trabalho: é necessário muito treino para competir.Treinamento; a habilidade, a experiência ou o saber que se adquire: não tenho treino para fazer isso. Forma regressiva de treinar.

Talvez seja mais um dos reflexos da idade, de mais um avanço para o qual eu talvez não esteja preparado.

Mas treinar, para quem já foi atleta de verdade, é algo sagrado. O treino é um santuário, é o momento em que nos confrontamos com nossas limitações, em que colocamos à prova nossa capacidade de assimilar, aprender, muitas vezes ultrapassar a capacidade inata. Momento de, individualmente ou em grupo, elevar o espírito do esporte.

Não se trata somente de suor, selfies, smartwatches, ângulos perfeitos e coleções de roupas da moda.

Mas não fica nisso, não.

Em alguns setores de alta representatividade o treino também anda sem moral.

No Campeonato Brasileiro de futebol, por exemplo.  A ladainha do falta tempo para treinar é desmoralizada sempre que esse tempo aparece e os times dão a impressão de que nem sequer foram treinados.

Enfim.

Malhar, marombar, suar, brincar, jogar, tudo isso é maravilhoso.

Mas respeitem o treino, por favor.

O Brasil reinventa (para pior) o “não tá mais comigo”

Uma das frases que definem a cultura do futebol brasileiro é a do “não tá mais comigo”.

Utilizada por boleiros profissionais e amadores, é uma espécie de mantra que retrata uma situação particular do jogo de futebol. O domínio de um time que toca a bola de forma precisa e fluente e coloca o adversário “na roda”.

Pois esses tempos bicudos (no sentido literal) da bola brasileira conseguiram uma proeza: a reinvenção do “não tá mais comigo”. Para pior.

Nivelado por baixo há um bom tempo, o Campeonato Brasileiro da Série A agora consagra uma nova tese futebolística: a do livrar-se da bola. A inversão da lógica do “não tá mais comigo”. A onda é deixar a bola com o adversário, afinal, ele não sabe muito bem o que fazer com a criança e a qualquer momento vai se complicar com ela e a gente aproveita.

Os números, quase uma religião para alguns treinadores, analistas e torcedores, mostram isso de forma cristalina. A posse de bola nunca foi tão inútil de tão mal conduzida e explorada.

Há uma honrosa exceção: o Grêmio, que gosta de ficar com a bola e ensaia um competente “não tá mais comigo”. Mas por decisões técnicas e administrativas equivocadas, o Tricolor Gaúcho optou por desprezar o Brasileiro e apostar na Copa do Brasil e na Libertadores. Com os reservas, a qualidade do melhor toque de bola do futebol brasileiro atual despenca.

O time mais eficiente do campeonato, o líder com todo mérito e toda justiça, é fiel (sem trocadilho) representante da nova versão do “não tá mais comigo”. O Corinthians não faz questão alguma de ficar com a bola. Até prefere deixá-la com o adversário, confiando na incapacidade dos rivais de encontrar utilidade para o objeto.  Graças a um aproveitamento invejável, o Timão faz mais (pontos) com menos (posse de bola) e puxa a fila, praticamente sem concorrência.

A maioria dos jogos do Brasileirão é ruim de doer. Uma correria que só atesta o bom preparo físico dos atletas. Já com a bola nos pés…

O que se vê é um festival de passes errados, de bicões, chutões de goleiros, zagueiros, volantes. O tal do “não tá mais comigo” atual. É possível identificar sinais de pavor em alguns jogadores apenas com a perspectiva de a bola chegar aos seus pés. Reflexo de alguns fatores que contribuem para esse quadro de baixa qualidade do espetáculo. Formação ruim de atletas, venda precoce de talentos, reposição apressada e com menor capacidade técnica, falta de compromisso de dirigentes e treinadores com a qualidade do espetáculo.

Muitos treinadores de comprovada capacidade profissional e merecida independência financeira poderiam entregar algo mais para o futebol brasileiro. Deixar algo que pode ser chamado de legado, contribuir para a recuperação técnica, o resgate do “não tá mais comigo” autêntico. Infelizmente, não vemos essa intenção e menos ainda a prática. Há bons discursos, como o de Levir Culpi, por exemplo. Mas a tradução futebolística de seu time não reflete o pensamento do técnico.

O Campeonato Brasileiro por pontos corridos é um rali de regularidade e eficiência. Vence geralmente o mais eficiente e regular, não necessariamente o que pratica o mehor futebol. Ou, vá lá, o futebol mais agradável de se praticar e consumir.

A seleção brasileira, quando trocou o ódio pela competência, mostrou que ainda existem brasileiros capazes de executar um “não tá mais comigo” eficiente. Sãotalentos que emigraram para pátrias social, econômica e futebolisticamente mais evoluídas.

Não é de espantar que a nova geração de aficionados pelo futebol, no Brasil, esteja buscando cada vez mais referências na Europa, na Premier League e na Champions League. De bobos esses moleques não têm nada. Enquanto curtem pela TV e reproduzem em seus videogames o “não tá mais comigo” virtual, nossos dirigentes, treinadores, nós mesmos da mídia, assistimos passivamente ao final de algo de que já fomos proprietários mas que “não tá mais com a gente”: O jogo bonito.

Poupar ou investir? Eis a questão

O futebol brasileiro trava uma batalha ingrata contra seu par europeu. Mais rico, mais organizado, com melhores jogadores, o futebol padrão Uefa marca a bola brasileira em seu campo de defesa, avança seus extremos e posiciona seu time de forma agressiva.

Há cada vez mais camisas de times europeus circulando em jovens corpos de torcedores. Existe uma parcela importante de crianças que declaram não torcer por times brasileiros, mas por equipes europeias.

Muitos fatores podem ser aventados para explicar tal situação. Violência nos estádios, empacotamento do produto, qualidade dos jogos, falta de ídolos.

Acrescento um fator que, pelo menos para mim, contribui decisivamente para que o futebol brasileiro, em especial o Campeonato Brasileiro, não alcance nível técnico equivalente à história e ao prestígio da nação pentacampeã mundial. Esse fator considero uma praga moderna que tem várias cabeças (nomes): poupar jogadores, priorizar competições, escalar equipes alternativas.

Com ciência não se discute. A partir do instante em que o desgaste coloca em risco a integridade física de um atleta, poupar é uma opção. Mas será apenas isso? Afinal, há quanto tempo se reclamava no Brasil de falta de um período adequado para a pré-temporada? A cada ano isso tem melhorado. Quantos times colocam suas equipes teoricamente titulares para jogar logo de cara nos discutidos torneios estaduais?

Vou mais longe e deixo uma pergunta no ar? Faltaria ambição aos grandes times brasileiros? Aquela vontade louca de ganhar tudo e mais um pouco? Ou de pelo menos tentar?

Um caso a ser estudado é o Botafogo, o Glorioso. Teve o mais complicado início de temporada. Encarou sucessivas decisões quando a maioria dos adversários nacionais apenas treinava. Em determinados momentos, poupou atletas, dentro de suas condições, pois não figura entre os clubes mais abastados do País. Pode ser que não ganhe nada no ano, mas sou capaz de apostar que os botafoguenses ficarão satisfeitos com a postura do time. O Fogão mete a cara e vai à luta.

Passemos ao Grêmio. Um time de mais recursos e, consequentemente, mais forte que o Botafogo. Tem o melhor desempenho em linhas gerais na temporada brasileira. Está bem no Brasileirão, na semifinal da Copa do Brasil e nas quartas-de-final da Libertadores. Dá sinais claros de que deixou o Brasileirão em segundo ou terceiro plano. Quem toma uma decisão dessas? O treinador? O diretor de futebol? Ou o presidente?

Vamos raciocinar por probabilidades. Teoricamente, o caminho mais curto para o Grêmio buscar um título é a Copa do Brasil. Faltam quatro jogos. Ou tudo pode acabar em 15 dias. A Libertadores precisa de pelo menos mais seis partidas. No Brasileiro, restam 18 rodadas. Ainda que a distância para o Corinthians pareça considerável, é prudente escalar reservas tantas vezes como o Grêmio fez? Vou mais longe: é absolutamente necessário?

Claro que em algumas circunstâncias, dado o acúmulo de jogos importantes e à logística complicada da América do Sul, é inevitável tomar certos cuidados. Mas até que ponto essa cautela interfere na qualidade do espetáculo, na fidelização do torcedor, nas finanças dos clubes? Que impacto tem na motivação de um fanático saber que seu time vai a campo com reservas ou, vá lá, com esse termo da moda, alternativo?

Quantas pessoas participam efetivamente da decisão de priorizar uma competição, de escolher qual é a mais importante?

Novo aspecto: será que no Brasil a carga de treinamento e o tipo de treinamento não seriam responsáveis pelo alto número de lesões musculares? A preparação física e a preparação tática caminham juntas? As equipes treinam fisicamente para executar suas propostas e estratégias de jogo? Uma pré-temporada mais bem pensada e executada não possibilitaria que em vez de poupar times titulares os clubes fizessem menos treinamentos em semanas decisivas, expondo seus atletas a possibilidades menores de lesões?

Como pedir nível técnico melhor, campeonato mais equilibrado, média de público superior se em alguns casos os próprios clubes desprezam a principal competição de futebol do Brasil?

Para pensar em frente à TV e na arquibancada.

O futebol, o certo e o errado

Um dos muitos equívocos cometidos pelo grande público em geral, o consumidor de informação, é achar que futebol deve ser analisado como economia e política como futebol.

Por ser um jogo, não fazer parte dos altos círculos intelectuais, e ainda estar engatinhando (pelo menos no Brasil) no universo das planilhas, gestores e governança, o futebol vive atrelado a conceitos e a termos herdados de tempos idos. Termos consagrados pelos grandes comunicadores da era do rádio, que ajudaram a construir a mística em torno do futebol e o diferenciam de uma atividade normal, fria e cotidiana. O esporte envolve, além da competência, capacidades natas, treinamento, preparação, entrega e superação. O futebol, além disso tudo, envolve paixão e massas.

Trabalhar com análise de futebol pressupõe, basicamente, que aos olhos de quem consome sua opinião ou informação, esse alguém sabe tanto ou mais do que você, que nunca chupou laranja com ninguém ou, como perguntam, jogou onde, mané? Ainda que as mesmas reclamações sejam direcionadas a quem jogou muito e chupou toneladas de laranja em centenas de vestiários pelo mundo. Isso permite a pseudocraques de campeonato de clube social pensarem que jogam tanto ou mais que jogadores profissional altamente treinados e capacitados. Além de fazer com quem tenha jogado dois meses no Ferroviário de Sapé, da terceira divisão, achar que conhece futebol tanto quando um jogador com 30 anos de carreira ou o Mourinho e o Felipão.

Explica-se. Antigamente a laranja era oferecida aos jogadores no vestiário, muito antes dos isotônicos e afins. Daí a expressão.

Meu amigo Walter Casagrande, um dos melhores analistas de futebol do País, sempre diz que no futebol não existe certo ou errado, todas as teses e conceitos estão aí na disputa. Concordo. No Brasil, certo e errado andam de mãos dadas com o resultado. Ganhou é bom trabalho. Perdeu está tudo errado. O resultado às vezes salva trabalhos mal feitos e acaba com outros promissores. Em outras situações, dois grandes trabalhos decidem um campeonato e um golpe de sorte decreta quem acertou e quem errou. Não pode.

Não acredito que opinião tenha resultado: certa ou errada. É opinião, concorda-se, discorda-se, discute-se, debate-se. Falar em erro e acerto é um mantra da maioria dos analistas de futebol do Brasil. Sempre com base no bom e velho resultado.

Voltemos ao inicio de 2017, ali por fevereiro. O Cruzeiro era quase imbatível em Minas e ainda somaria 23 jogos sem derrota. Mas o Galo, um dos melhores elencos do País, seria campeão estadual antes de cair em descrédito. O Flamengo era a força dominante no Rio e terminaria campeão estadual antes de ver seu trabalho ser classificado como ano perdido. Inter e Grêmio ainda não sabiam, mas seriam derrotados pelo Novo Hamburgo no Sul. Em São Paulo, o Tricolor de Rogério Ceni voava baixo, e o jovem treinador era chamado de melhor treinador do Brasil. Seria demitido em meses. Fábio Carile, que tinha sido demitido do cargo de treinador do Corinthians meses antes, ainda era chamado de estagiário por muitos alvinegros, e avaliações mais pessimistas previam que o time brigaria para não cair no Brasileiro. O Palmeiras e sua caravana de contratações aparecia como a bola da vez. Alguns colegas classificaram o time como Real Madrid das Américas (será que estudaram detalhadamente todos os elencos das Américas?) e cravaram seu favoritismo para tudo.

Antes do clássico entre Corinthians e Palmeiras, em 22 de fevereiro, a bolsa de apostas de bastidores apregoava que Carile dificilmente resistiria a uma derrota. Se o trabalho era bom, porque sua cabeça esteve a prêmio?

Isso tudo colocado, vamos voltar àquele fato: não existe certo ou errado no futebol. Muito menos antes de acontecer o jogo, de vir o resultado.

Analisar não é chutar algo em janeiro e, caso aconteça, reivindicar a autoria em dezembro. Analisar não é fazer previsão, embora para muitos de nós, comentaristas, essa termine sendo quase sempre um dos tipos das perguntas feitas por narradores e apresentadores, além da inevitável “quem é o favorito?”

Mostrem-me um comentário de rede social postado em janeiro antecipando que Fábio Carile era a escolha certa porque faria este trabalho espetacular à frente do Corinthians, com detalhes como defesa quase intransponível e primeiro tempo sem faltas, além de uma invencibilidade que beira os 40 jogos? Mas se era assim tão cristalino, bola na rede, porque ele foi demitido meses antes, em 2016? Recordemos: o Coritnhians só ficou com Carile porque não conseguiu contratar outro treinador. Certo ou errado? Ou seria o que vai dar certou ou errado?

Se o Palmeiras e o Flamengo, ao montarem grandes elencos, com muitas opções, eram saudados no inicio de 2017 como clubes bem administrados, fazendo o certo para disputar várias competições simultaneamente, mostrem-me um comentário postado em janeiro de 2017 afirmando que sucumbiriam precocemente na Libertadores e teriam dificuldade não apenas em utilizar os grandes elencos, mas em montar um time titular.

Quando Renato Gaúcho fez a piada de que não via futebol, afirmando que quem sabia não precisava estudar e muita gente não entendeu que era piada, alguém cravou que sairia de sua cabeça o time que joga o futebol mais agradável de 2017 no Brasil?

Será que não estamos todos nós – embora eu tente me policiar e procure fazer mais Jornalismo do que gênero, como, felizmente, ainda fazem muitos de meus colegas – procurando encaixar a realidade às nossas teses?

Será que nossas opiniões, em vez de se voltarem ao jogo, não estão sendo direcionadas para justificar o que estava em nossas previsões e não se concretizou ou valerizar aquelas que, vá lá, tenham dado certo ? Não estamos virando comentaristas dos nossos comentários?

O certo e o errado no futebol muitas vezes estão separados por um chute, um passe errado, uma quicada de bola no gramado na hora do chute, um olhar atrasado de um bandeirinha. Assim como muitos economistas previram, no chute, quebras de Países que não quebraram e apontaram negócios que pareciam riqueza garantida mas, no final, foram apenas bolhas. Brilhantes administradores e engenheiros faliram empresas e péssimos políticos destroem países. O chute pode vir com muito verniz e substância, acreditem. Até por parte de quem sabia chutar de verdade – a bola.

Repito: análise não é previsão. Se fosse assim, era melhor contratar o Polvo Paul.

A onda das análises agora foi tomada pela espuma do dinheiro. Alguém decidiu que qualquer clube que gaste muito, mesmo que tenha muito para gastar e arrecadar, e não obtenha resultados condizentes, é porque fez tudo errado. Outros que gastaram pouco e conseguem resultados, ainda que quisessem ter gastado mais e não puderam porque agora não tinham, acertam na mosca.

Será assim tão simples?

Lembro-me do Santo André e do Paulista de Jundiaí, campeões da Copa do Brasil. Quantas vezes eu mesmo disse que faziam um bom trabalho? Muitas. Certo dia um diretor de um grande clube brasileiro ouviu o que eu disse, ao meu lado num programa, e, delicadamente, fora do ar, me alertou para o caso do Santo André à época. Segundo ele o time mal tinha jogadores sob contrato para o restante do ano, atrasava salários, estava no embalo do resultado e não se sustentaria. Não se sustentou. Ah, o Paulista está à beira da insolvência.

Mais uma frente de batalha: treinadores jovens e estudiosos contra treinadores experientes e da formação do campo de jogo.

Há quem diga que o certo é contratar jovens estudiosos, que os medalhões já não servem, que futebol sem estudo não tem futuro. Outros afirmam que falta aos jovens estudiosos experiência de campo, malandragem, falar a linguagem do boleiro, esse idioma cultuado como semideus em microfones e arquibancadas.

Tem certo ou errado?

O líder do Brasileirão é um jovem estudioso e capacitado. O vice-líder é um treinador do campo, da linguagem do boleiro (quando escrevo esse texto é o único brasileiro já garantido nas quartas da Libertadores e está na semi da Copa do Brasil). O terceiro colocado é da velha guarda, o quarto também. A Copa do Brasil tem nos bancos um treinador mais pra jovem que pra velha guarda (Mano), um da novíssima geração dos estudos (Jair), o Flamengo chegou até a semi com um da novíssima geração que foi demitido (Zé). E o Renato, claro.

Depois de tudo isso, encerro dizendo que de certo e errado no futebol, às vezes temos apenas os chutes dos jogadores.

 

Perímetro Urbano traduz a alma paulistana com samba e lirismo

Quem jamais esteve na cidade de São Paulo – e também quem ainda não a compreende – consegue visualizá-la nas canções e figuras poéticas de gente como Caetano Veloso, Paulo Vanzolin, Adoniran Barbosa, entre outros. O ritmo do samba paulistano, mais urbano e duro que seus irmãos carioca e baiano, tem nos Demônios da Garoa seu representante mais conhecido. Embora os Originais do Samba tenham captado essa sutil diferença ao trocar o morro carioca pelo asfalto paulistano.

Em seu segundo CD, “Subterfúgio”, o grupo paulistano Perímetro Urbano finca bandeira como representante do que há de melhor e mais sofisticado no que poderíamos chamar de MPP – Música Popular Paulistana. O Perímetro Urbano é um inspirado guia turístico da alma e do espírito da maior metrópole do Brasil.

Ao ouvir as 14 canções de “Subterfúgio” é possível visualizar um dia na Zona Norte, sob a garoa e neblina. Uma manhã de domingo na Mooca. Dá para sentir o aroma do frango de televisão levado para casa por paulistanos de bermudas e sandálias de couro. Captar o calor do pão quentinho saindo das padarias para mesas de sobrados românticos do Ipiranga. Ouvir o trombone das gafieiras e salas de baile da Lapa ou do Bom Retiro.

Compositores da boa e autêntica música popular estão entre os melhores cronistas do cotidiano. Capturam as nuances do dia-a-dia. Há sutis diferenças entre o samba paulistano e, por exemplo, o carioca. No morro a vida dura é amenizada pelo visual inigualável do Rio, contemplado democraticamente por ricos do asfalto e miseráveis das ladeiras. Em São Paulo, sem morros e sem a paisagem deslumbrante da vizinha e rival, o samba é mais cronista que poeta. Apesar das diferenças, não há confronto na música do “Perímetro Urbano”. Longe disso. Há homenagem e reverência aos mestres do morro, mas com tempero de cimento e asfalto.

Os arranjos inspirados de Edmílson Capelupi emolduram os versos da trupe formada por ele, Aílton Amalfi, Alberto Gaspar, Pena, Flávio Mesquita e Vital Mancini (que se revezam nos vocais e contam ainda com a voz de Luiz Mel). Violões de seis e sete cordas e bandolins dialogam com clarinetes, flautas, trombones e proporcionam um passeio pelos ritmos e sons que formam a essência do samba metropolitano: choro, samba de breque, gafieira, o acordeon de Caçulinha e Seu Conjunto.

Em “Fechada Pra Reforma”, a voz arrebatadora de Luciana Alves emoldura um violão com batida de Toquinho (do Bom Retiro). O pout-pourri de “Sambas do Subterfúgio” é cenário para bailes com dançarinos impecavelmente vestidos em paletós e sapatos brancos. Há uma divertida tensão no ar e a qualquer momento alguém pode sacar uma navalha e transformar em tragédia a brincadeira da noite.

“Independência ou Mooca” joga com uma gostosa rivalidade de bairros com o mesmo sotaque e origem, num dos grandes momentos do álbum.

O futebol de várzea chega com “Zum Zum” e quase podemos escutar gritos e chutes dos pernas-de-pau e craques do subúrbio. Os cantores de churrascaria são fatiados verso a verso numa divertida viagem por um dos ícones da gastronomia paulistana. Praticamente todos os personagens do cotidiano da metrópole são apresentados por gente como eles, gente como a gente.

Nesses tempos em que tudo se mistura, em que boteco carioca invade as esquinas paulistanas e pizzarias paulistanas tomam de assalto esquinas cariocas, é bom recordar com o Perímetro Urbano que o samba bandeirante nasce no Bar e não no Boteco. O samba da vela, da calçada, da cozinha. O samba do Bixiga e da Mooca, regado a copos de vinho da casa servidos sobre toalhas quadriculadas e fatias de pizza de calabresa ou mussarela. O samba do Jaçanã, do paletó com chapéu, da pressa para não perder o trem e o bonde. O samba do apito da fábrica, das chaminés, tão bem retratado em detalhes dos arranjos de Capelupi, que remetem à “Sinfonia Paulista” de Billy Blanco.

Para fechar o pacote, a produção de Zé Angels faz justiça ao som e ao talento do Perímetro, com som mais limpo e vigoroso em relação ao que se ouve em “Na Capital do Pecado”, CD de estréia do conjunto (não da banda). O mesmo vale para o caprichado tratamento visual de Amanda Mancini.

Se fosse possível voltar no tempo e encontrássemos um jovem compositor baiano perdido em um cruzamento da metrópole, com dificuldades para ver seu rosto, indicaria sem medo de errar o Perímetro Urbano como um ótimo tradutor de São Paulo.

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Ficha Técnica

“Subterfúgio”, de Perímetro Urbano.

Produção e direção musical: Edmílson Capelupi

Arranjos: Edmílson Capelupi

Gravação: Estúdio Angels, São Paulo

Masterização: Carlos Freitas

Projeto Gráfico: Perímetro Urbano e Amanda Mancini

Neymar faz o que quiser da vida dele

Neymar virou o assunto do Brasil no dia em que o Brasil é sangrado mais uma vez em Brasília.

Não me lembro de a opção profissional de alguém ter sido julgada publicamente como está sendo feito com Neymar.

Ele é um atleta profissional. Dos melhores do mercado. Faz o que bem quiser com seu talento e sua vida. Joga onde quiser jogar.

Onde está o pecado em ser expoente mundial em um negócio que paga muito bem, absurdamente bem?

Se ele e as pessoas que cuidam de sua carreira fizeram algo errado em termos fiscais, que respondam por isso, como qualquer outra pessoa deve responder.

Se Neymar optou por deixar um clube que é praticamente uma seleção nacional, que representa cultural e politicamente uma cidade e um povo, qual o pecado?

Existe ainda no Brasil, e forte, um ranço pesado contra o jogador de futebol. O dinheiro mudou de endereço e hoje os jogadores, que eram marginalizados pela sociedade até mais ou menos os anos 70, hoje estão no topo da pirâmide. Os bem-sucedidos, registre-se. Cerca de 2% da categoria.

Existe um movimento que clama pelo que se convencionou chamar de futebol raiz. Esse movimento ataca o que convencionou chamar de futebol moderno.

O que seria o futebol raiz? Jogadores sendo tratados como mercadoria de baixo valor por dirigentes de futebol através de um instrumento escravocrata chamado passe? Ex-jogadores vivendo e morrendo na miséria, sobrevivendo com sérios problemas de saúde provocados por injeções e infiltrações criminosas para que pudessem entrar em campo para que dirigentes mal intencionados ganhassem dinheiro?

Será que na cabeça dos torcedores o jogador será sempre um soldado raso pronto para se matar em campo pela camisa como se estivesse a serviço dos generais de arquibancada e microfones?

Não faço juízo moral da atitude de Neymar. Ele fez o que muitos que o criticam e militam em outras áreas devem ter feito ou gostariam de fazer: mudar de emprego para uma situação mais vantajosa.

Repito: se essa transação enganou alguém, o fisco de algum país, que ele seja investigado, processado e punido. Não podemos nos esquecer que Messi joga futebol em liberdade condicional, por ter sido condenado na Espanha.

Qual o pecado cometido por Neymar?

Ser um jovem famoso e bem remunerado que gosta de viver a vida gastando o farto dinheiro que recebe pelo seu trabalho?

Ser um jovem que não se envolve em situações polêmicas, que não quer ser representante de sua classe ou se meter em assuntos com os quais ele simplesmente não quer se meter?

No Brasil, a mídia tem fascínio por jogadores que se posicionam politicamente. Eu também acho que todos foram grandes figuras. Afonsinho, Sócrates, Casagrande, Paulo André. Mas ninguém é obrigado a fazer o que eles fazem.

Recordemos que Pelé pouco fez. Além de ter dado algumas pisadas de bola lamentáveis fora de campo. Como outros grandes craques fizeram e não tomaram metade das porradas que Neymar leva.

Qual o problema em trocar o Barcelona, estabelecido como um dos maiores e mais ricos times do mundo, sua camisa histórica e representativa, por um clube que alimenta o sonho de ser grande como os maiores da Europa e do Mundo?

Ou será que existe alguém ingênuo ao ponto de acreditar que somente Neymar está ganhando dinheiro com essa jogada?

Não condeno Neymar, não defendo Neymar.

Apenas defendo o direito que ele e qualquer outra pessoa tem de fazer o que bem quiser de sua vida.

Mestre Phil Collins, enfim

O ano era 1977. Prestes a completar dez anos, eu era um ouvinte de música ainda comandado pelo que meus pais escutavam e o que as rádios propunham. Meu primeiro show tinha sido Benito de Paula, em Poços de Caldas, alguns anos antes. Claro, com meus pais. As primeiras melodias que me chamavam a atenção chegavam através de “Skyline Pigeon”, de Elton John, enorme sucesso no Brasil naqueles cinzentos anos 70.

Certo dia, ainda hipnotizado pelas imagens da primeira TV a cores da família, uma valente Telefunken de seletor manual de canais, fui hipnotizado por outra melodia. O comercial anunciava um disco e uma turnê pelo Brasil de uma banda de rock. Hoje sei que o refrão, cantado por uma voz quase em falsete, muito afinada, era “Ripples never come back”.   Descobri com amigos do bairro que o Genesis, uma das mais populares bandas de rock progressivo do período, estava para se apresentar no Brasil. O anúncio era de uma coletânea da gravadora Som Livre, chamada Genesis In Concert, que ajudava a promover a turnê, que fazia parte do extinto Projeto Aquarius.

Em 1978 chegara o tempo dos saudosos bailinhos de garagem. Música lenta, nervosismo, timidez. Outra melodia capturava meus ouvidos e milhões de outros. Era a mesma voz, agora num estilo diferente, com mais suíngue: “Follow You Follow Me”. Era eu um fã devidamente convertido pela música do Genesis.

1981 traria aquela voz em outra dimensão. As rádios especializadas em rock começavam a espalhar uma canção quase minimalista, de clima sombrio e cujo clímax acontecia com uma poderosa e impactante entrada de bateria. “In The Air Tonight”.

Com o tempo e algum dinheiro no bolso passei a pesquisar e colecionar tudo que era lançado sobre Genesis, Phil Collins, Peter Gabriel e o universo daquela banda e seus artistas. Sempre tive preferência pelo Genesis de Collins ao de Gabriel. Mais melódico, menos hermético, mais groove e menos pompa. Alguns dos melhores momentos da banda são com Collins ao microfone – ele sempre esteve à frente da bateria em estúdio e revolucionou o instrumento, influenciando gente como Neil Peart, Taylor Hawkins, Mike Portnoy e Brann Dailor, por exemplo. Gosto do Genesis com Gabriel e de muita coisa da carreira solo de Peter, mas Collins está em outro patamar para mim.

Os anos 80 foram tomados de assalto pelo som de bateria de Collins, o famoso reverb gated. Seus sucessos com o Genesis, carreira solo, as produções para Eric Clapton, Robert Plant, Frydda do Abba, Philip Bailey e muitos outros. Onipresente era pouco.

Em 1977 eu não tinha idade para ira ao Ibirapuera ver o Genesis e seus efeitos de laser que são lembrados até hoje. Nos anos 80 e 90 não tive opção de vê-lo ao vivo. Em 1992, enquanto trabalhava na cobertura da Olimpíada de Barcelona, consegui ingressos para o show do Genesis em Madri com um colega espanhol. Não tive tempo de pegar trem ou avião pela carga de trabalho. Alguns anos depois, Collins viria ao Brasil em turnê solo, mas terminou cancelando, embora tenha tocado no Chile, Peru e Argentina.

Em 2007 decidi que era a hora e a oportunidade. Turnê de reunião do Genesis. Fui a Chicago e realizei parte do sonho. Vi “Ripples” ao vivo, vi Collins tocando bateria ainda com maestria, antes de os problemas de saúde praticamente o aposentarem do instrumento. Um show tecnicamente perfeito.

Dez anos depois surge a oportunidade. Um combalido Collins retorna aos palcos. Já não pode mais tocar bateria e mal consegue caminhar. Era o momento do fã prestar o devido tributo ao ídolo. Convenci minha Isabel a me acompanhar. O planejamento deveria incluir uma ida à Rússia a trabalho. Conseguimos ingressos para 14 de junho, na Lanxess Arena, em Colônia. Antes de viajar fui acompanhando vídeos dos concertos que ele fazia. A voz melhorando a cada ato, a banda afiada como sempre, o filho de 16 anos dando suporte ao pai na bateria.

Antes, um susto. Phil cai no quarto de hotel em Londres e é levado ao hospital, tendo que adiar dois shows. Vamos com fé, explorando a história e a fantástica cerveja Kolsch de Colônia.

Chega o dia. Uma caminhada de uns dez minutos até a Lanxes, hotel escolhido a dedo.  Nosso show seria o terceiro de uma série de cinco, após um dia de folga. Compramos camisa e cervejinha Kolsch para curtir.

Phil adentra o cenário caminhando apoiado por uma bengala, aplaudido de pé por cerca de 20 mil pessoas. Abre o show sozinho, com uma cortina translúcida. Os primeiros acordes de “Against All Odds” enchem o recinto. A voz é inconfundível. O efeito de luz mostra, na penumbra, o filho Nicholas na marcante entrada da bateria e o ginásio está nas mãos do artista.

Ele e banda entregam um show de absoluto profissionalismo e carisma. O catálogo é covardia. Duas canções do Genesis são apresentadas. “Invisible Touch”, com um irresistível arranjo de metais e ela, “Follow You Follow Me”, a canção que Isa e eu adotamos como nossa. Eu tinha visto Phil cantar tocando batera em 2007. Via agora o ídolo cantando sentado em uma cadeira dessas de executivo, apoiado por imagens em telão do Genesis. Tocante, marcante.

O show passa muito mais rápido do que gostaríamos. “Easy Lover” traz a Lanxess Arena abaixo. Sem falar em “In The Air Tonight”, que já é quase um ato religioso em shows de Collins.

Há no ar um clima de intimidade e  parceria. Os fãs leais como sempre. O artista expondo sua fragilidade física e suas limitações com rara honestidade. O baterista genial e de incríveis rapidez e precisão não existe mais. A voz ainda segura canções no tom original, mas o cantor precisa domá-la e dosá-la em algumas situações. É quase uma comunhão entre palco e platéia.

Vou embora com a sensação do dever e do sonho cumpridos. Isabel se arrependeu de não ter ido em 2007 e agora sente-se até mais fã do que eu em 2017.

Caminhamos de volta ao hotel na noite segura e calma de Colônia. As ruas tomadas por fãs de todas as gerações, camisas expondo o orgulho. Paramos no bar do hotel e pedimos duas Kolsch geladíssimas. Brindamos a Phil, ao Genesis, aos fãs, à música e à vida.

Vida longa ao mestre Philip David Charles Collins!

Basquete em silêncio

Turmas são das melhores coisas da vida. Elas vêm e vão. Formam-se na rua, na escola, nas férias, no trabalho, no clube.

As melhores geralmente são as da escola.

Tive a sorte de fazer parte de várias.

Uma delas venceu o tempo da escola e existe até hoje, fragmentada, afastada às vezes, mas existe porque nós não deixamos morrer.

Certa noite de muito frio em São Paulo, a turma, que naquele momento era quase uma gangue, pois deveria estar na casa das 20 pessoas, decidiu que para a noite não terminar deveríamos dormir todos juntos em algum canto.

Algum gaiato sugeriu a casa do Sansão, que era a maior. E lá fomos nós. A casa era realmente grande, tinha até uma quadra poliesportiva, com tabela de basquete e tudo. Nos espalhamos pela casa em pequenos grupos. Alguns cozinhavam, outros jogavam baralho e uma terceira facção tocava as guitarras do Sansão.

Eis que não se sabem bem como – e sempre é assim com as turmas – resolvemos jogar futebol. Já era madrugada e futebol em silêncio não existe. Não demorou para que vizinhos reclamassem e a polícia fosse acionada.

Foi quando alguma mente genial teve a ideia de trocarmos o futebol pelo basquete. Mas um outro lembrou que no basquete é preciso bater a bola, e isso faz barulho. Decidiu-se, então, que jogaríamos basquete sem falar e sem bater a bola no chão. Feito.

Claro que não durou 5 minutos e caímos na gargalhada.

A solução foi entrar novamente na casa para espantar o frio. Foi quando descobrimos que parte da turma encontrou outra diversão. Havia um sistema de interfone na casa, com vídeo, e era possível ver quem passava pela rua. As madrugadas eram mais seguras naquele tempo e pessoas passavam em frente à casa do Sansão. E eram saudadas com qualquer tipo de impropério por um discreto alto-falante.

Quase amanhecendo a turma se dispersou. Alguns foram embora, outros resolveram ficar por ali mesmo.

Sansão, amigo de grande coração, viu todos os quartos da casa serem ocupados, inclusive o seu, e ficou sem ter onde dormir.

Nunca mais fomos à casa dos pais do Sansão, para sorte dele.